o foda de ser escritora mulher (além do fato de ter que especificar o gênero nesse texto pra se fazer compreender) é, entre outras coisas, precisar o tempo todo se policiar para que uma personagem feminina não fique demais parecida com você, porque aí as pessoas todas vão achar que é um alter-ego, caçando neuroses e apontando dedos, como convém a essas pessoas que tão bem intencionadamente leem livros como quem assiste à novela. ora, porque a maioria dos protagonistas da literatura universal são sempre homens, de forma que o normal da literatura é o protagonista homem, e toda protagonista mulher precisa ser justificada, estar ali para provar alguma coisa ou demonstrar qualquer questão muito exclusivamente feminina. ela não pode ser mulher simplesmente porque nasceu assim, cazzo, e o livro não precisa ser sobre questões femininas, como se todo livro com um protagonista homem fosse sobre questões masculinas. (e que seriam “questões femininas”, afinal?) aí, claro, é mulher, a escritora é mulher, olha só como essa atitude é bem típica da autora, essa lógica, hein, deve ser algum tipo de espelho. deve ser uma forma de exteriorizar qualquer coisa que está reprimida, porque essas mulheres, todas cheias de segredos e mistérios e coisas reprimidas. como se todo personagem não tivesse algo do autor, afinal. mas olha que quando a gente põe assim no masculino parece mesmo uma coisa tão mais normal. o foda de ser escritora mulher é o tempo todo precisar se justificar. dizer que aquela personagem não é seu alter-ego. é cansar de fazer personagens homens, para se desviar desse monte de dedo apontado. e afinal também esses a gente tem que justificar, e até parece que uma escritora mulher poderia escrever de forma convincente sobre um homem. fora da ficção já não deixam a mulher fazer muita coisa importante sem que façam piscar um neon rosa-pink escrito MULHER e apontando para ela. na ficção é a mesma coisa. escritora mulher, personagem mulher? literatura de mulherzinha. afe. porque às vezes, sabe, eu queria mesmo era só ser escritora. e que minhas personagens fossem também qualquer outra coisa, antes de serem personagens femininas.