todos diziam que tem que conhecer Laguna Brava. eu estava achando muito divertido que a laguna fica a mais de quatro mil metros de altitude e, enfim, quem sabe a gente via neve. o guia Mariano, também dono do hostel Refúgio del Condor, onde nos hospedamos, já tinha dito que no dia anterior tinha nevado e a chance de neve era grande. oba oba. nos metemos numa travessia de 4x4 que já vinha sendo programada há meses. saiu um pouco mais caro do que a excursão normal mas a travessia se metia por outros caminhos pela cordilheira. nove caminhonetas, cinco motos e umas dezenas de homens crescidos e não tanto, mais eu, Andressa e um senhor portenho muito formal que de turistas se meteram na brincadeira. saímos mei atrasados e tocamos pela estrada, com duas paradas em povoados vizinhos pra juntar mais caminhonetas, fazer lanchinho, conversar com político e fazer doações pra uma igrejinha. buena.
o percurso da “ida” foi: travessia por um rio seco (interminável, mil pedras, mil buracos, o guia mesmo dizia que não aguentava mais lugar chato dos infernos), quebrada del yeso (onde aquele monte de marmanjo se divertiu horrores fazendo 4x4, ou seja, se metendo em lugares estreitos ou íngremes ou impossíveis com aquele jeepão enorme), um tanto de estrada asfaltada e enfim a subida pela cordilheira rumo à Laguna Brava.
já no começo quando descemos do carro antes de começar a subida vinham caindo uns floquinhos de neve que deixavam pontinhos brancos na roupa, um frio gelado e um vento furioso. pela subida tudo um chão marrom de pedras e terra e uns pontos mais claros que era onde o caminho tinha congelado. adiante a gente via uma nuvem branca que era viento blanco ou, mais diretamente, uma tormenta de neve. o guia estava feliz da vida que a gente ia ter neve e céu azul e qué hermoso! dizia, quase saltitando no assento do motorista.
fizemos uma última parada antes do topo e eu desci pra ver a vista, e tinha um vento de milhões de quilômetros por ora e era difícil ficar em pé. tirei ali a selfie mais difícil do universo.
mas aí que a tormenta foi se aproximando e nos metemos bem no meio dela, e o guia parou um pouco de ficar se empolgando pra dar instruções pelo rádio, enquanto os outros perguntavam se a gente ia voltar pelo mesmo caminho, se faltava muito, quem tinha sido o último carro a ver a cherokee verde etc. no começo ainda dava pra ver a neve se acumulando na lateral do caminho, mas chegou um momento que não dava pra ver absolutamente nada.
mais ou menos pelo topo o guia dizia que ali à esquerda estava a laguna, mas nada, só um branco infinito. comecei a decepcionar. o céu azul surgiria tímido, por trás da ventania de branco, e de repente a tormenta tinha ficado pra trás. à esquerda, sim, a Laguna Brava. o céu azul, o sol, e atrás aquele branco furioso que seguia adiante com seus propósitos vingativos. o chão branquinho de neve.
claro que eu desci e fiquei feito criança feliz pisando a neve, metendo a mão na neve e congelando os dedinhos apesar das luvas. depois quando voltei pro carro senti a falta de fôlego da altitude. ops ops. era muita alegria pra pouco oxigênio. a descida foi tranquila com paisagens monumentais, e vicuñas, guanacos, frio e vento. as caminhonetas começaram a dar problema de pneu murchando, freio estourando etc etc; as motos dando problemas de motorista cansado (as motos obviamente não se meteram na tormenta, fizeram uma volta e nos esperaram na estrada adiante). descemos por uma estrada que ainda estão construindo com direito a mil paradas. quando alcançamos a rodovia o sol já ia embora.
o guia acabaria ficando por último pra acompanhar as motos que iam devagar, porque os rapazes quase esgotados e problemas de motor e porque era na caminhoneta dele que ia o combustível extra. chegamos noutro povoado vizinho de Villa Unión pra uma janta com a turma com direito aos tios tocando e cantando música folclórica juanina, tucumana e riojana, e daí ao hostel era já quase meia-noite. restava capotar na cama.