wooof. que troço lindo e infinito é a cordilheira dos Andes. que enormes são as distâncias que no mapa aparecem em meio centímetro. que imensidão é a puna. claro que eu tinha uma ideia de cordilheira de desenho animado, de ir se metendo por entre montanhas sem fim; e claro que não é nada disso. são planícies gigantescas, salares enormes, lagoas salgadas de água azul ou verde; um grande deserto plano cercado de montanhas de cinco ou seis mil metros de altitude enquanto você cruza um pouco abaixo disso pela parte mais plana. cores e cinzas vulcânicas. o caminhoneiro se chamava Luís; o que vinha atrás no caminhão branco era Juan, na volta de sua primeira incursão à Argentina. Luís quis apertar minha mão quando eu disse que estava viajando fazia 15 meses. tipo mui divertido e eu entendia quase tudo que dizia com esse sotaque chileno difícil. conhecia uma caminhoneira brasileira que lhe mandava mensagens mui maliciosas com propostas indecentes pelo whatsapp (e ele não entendia nada e eu traduzi e ele se assustou). parecia mui contente de ter companhia e compartilhamos umas peras que tinha que comer antes de chegar na aduana chilena. são uns 20 km de asfalto até o paso internacional; uma placa no meio do nada. aí começa a estrada de terra e pedregulho do lado chileno.
e mais uns 80 km pra chegar na aduana chilena. nunca. paramos na Laguna Verde pra tirar fotos. um vento terrível e frio. a lagoa verdinha só não refletia o céu e as montanhas porque o vento, e tinha ondas. por todo lado que se olhava algum pico nevado. era afinal a região dos seismiles.
foi meio infinita essa parte da viagem porque a estrada obrigava uma velocidade mei preguiçosa, apesar de o caminhão estar vazio. o tempo não se sentia muito arrastar porque a conversa e a paisagem e as fotos e bolacha de água e sal com um patê suspeito que o Fernando tinha comprado em Fiambalá. mais adiante surgia uma planície ainda mais gigantesca com a linha da estrada passando pelo meio e Luís disse que atrás de uns picos nevados adiante estava a aduana chilena.
ainda assim foi uma eternidade pra cruzar essa planície.
na aduana apresentamos documento, preenchemos papel, passamos mochila pelo detector de coisas orgânicas e fomos aprovados pra seguir adiante. tinha muito caminho pela frente e ainda estávamos no meio da cordilheira. ao lado se estendia o salar de Pederneras, outro troço imenso sem fim. estávamos oficialmente em solo chileno.
a fome foi apertando porque nada de comida de verdade desde que acordamos, mas ali era nada ninguém nunca e pelo menos a gente tinha as bolachinhas de água e sal (aparentemente tão infinitas quanto a cordilheira). Juan do outro caminhão nos passou um suco ades pra enganar a fome. seguimos por essa paisagem desértica que nem mesmo uma vicuña, uma lebre, um passarinho.
e tudo isso nenhuma alma viva que cruzou no sentido contrário, que era pra pensar que estaríamos pra sempre na aduana argentina esperando alguém pra nos levar de volta a Fiambalá. tomamos o rumo de Diego Almagro, que era a parada do Luís mais próxima do nosso destino: a praia de Caldera. já eram seis da tarde e sem almoço quando começamos a descer a cordilheira pela Cuesta de los Patos, que aí sim tem a cara de cordilheira de desenho animado da minha imaginação. foram aparecendo sinais de civilização: é uma região mineira cheia de trilhos de trem e casinhas de chapa. Luís conseguiu sinal de internet e nos ofereceu conexão fazendo do celular um roteador wifi.
Diego Almagro tem a mesma pinta de cidade de mineração: as casinhas coloridas de chapa, mei feia, mei triste. já começava a escurecer quando Luís parou no posto de gasolina e perguntou por hospedagem. também nos trouxe chocolate. nos despedimos um pouco mais adiante e ele ainda nos disse pra mandar mensagem quando quiséssemos voltar porque capaz ele ou algum amigo podia nos levar. parecia meio absurdo então estar no Chile depois daquela viagem de umas oito horas cruzando a cordilheira num caminhão. parecia meio absurdo estar no Chile depois de decidir tão decididamente que voltaríamos a Fiambalá e quem sabe visitar as ruínas de Shincal, no povoadinho de Londres (no caso em Catamarca). parecia meio absurda a facilidade de caminhar como se flutuando depois de estar na altitude e de repente 900 metros sobre o nível do mar meu deus quanto oxigênio. parecia meio absurda principalmente a fome que a gente sentia, então conseguimos hospedagem (sem internet e uma senhora que não entendia nada que a gente dizia), conseguimos sacar pesos chilenos e nos metemos numa lanchonete mei sem vergonha pra finalmente comer alguma coisa com cara de comida.