cheguei em Merlo na quinta-feira à noite. na sexta o Mariano me convidou a se juntar a ele e o Diego pra uma caminhada na reserva natural quebrada de Villa Elena, a mais ou menos uma hora dali. topei fácil. perto do povoado de Merlo não tem muita caminhada que se possa fazer. quase sempre tem que tomar um ônibus; o que tampouco é o fim do mundo, porque tudo que está pros lados da serra está a alguns bons quilômetros em subida ou em direção ao sul próximo aos povoadinhos que seguem pela estrada. Villa Elena é um desses lugares pro sul. no sábado saímos depois do almoço, que engolimos com pressa por causa do horário do ônibus; tomamos um táxi à rodoviária faltando dez minutos, chegamos em cima da hora e conseguimos comprar a passagem e alcançar a plataforma (o ônibus ainda demorou uns dois minutos mais pra chegar ufa ufa). a digestão do almoço ficou prorrogada pra quando se iniciasse a caminhada. descemos do ônibus depois de uma subida e continuamos subindo a pata até a entrada da reserva.
a caminhada foi toda em subida todo tempo. no começo uma trilha mais larga, rodeada por um monte de arbustos de uma “falsa” amora que tem cara (e sabor) de framboesa mas não é framboesa nem amora. muito gostosinha de comer mas cruel pra colher: miles de espinhos até mesmo nas folhas. enquanto o caminho estava largo estava tudo bem. depois que cruzamos o dique a trilha foi se estreitando e aí era desviar de espinhos todo tempo, e se vingar colhendo as frutas mais maduras pra comer pelo caminho.
foi uma subida matadora: caminho estreito, pedras e plantas espinhosas. Mariano ia na frente feito um cabrito e eu e Diego atrás morrendo um pouquinho. no final a subida deu um pouco de trégua e o caminho foi ficando cada vez mais difícil de passar. tivemos que inventar uns caminhos inexistentes e enfim alcançamos a queda d’água:
matamos tempo entre meditar e cochilar e comer bolachinhas de chocolate. a água estava fria demais pra arriscar os pés e eu nem tirei as botas. voltamos pelos corredores de espinho e alcançamos a entrada da reserva meio em cima da hora pra descer de volta à estrada e pegar o ônibus. deu tempo. meu joelho estava chiando. faz tempo já que meu joelho chia a qualquer sinal de descida ou impacto. também meu pé que dói o calcanhar no contato com a parte de trás da bota. desconfio que o corpo esteja sinalizando pra que eu vá mais devagar, embora esses dias eu tenha estado bem à toa (ainda que em Mina Clavero eu tenha caminhado pra cacete). não sei exatamente que é que meu corpo está querendo dizer. sei que achei melhor estar uns dias mais tranquila com caminhadas leves e urbanas ou ir até a sorveteria e voltar. no dia 17 fui com a Lisa até a reserva natural de Merlo, que fica mais próxima do povoado, aos pés da serra. também precisa tomar um ônibus (ou caminhar bastante em subida), que passava na frente do hostel e nos deixava às portas da reserva.
dali uma subidinha e um local com restaurante e um monte de guia oferecendo trekking até o salto del tabaquillo, nosso objetivo final do dia. Mariano havia dito que era só seguir o riacho e ir escalando as pedras, e por isso seguimos direto ao arroyo e começamos a subir. muitas muitas pedras de todos tamanhos e uma água verdinha e transparente e em alguns lugares tenho certeza de que havia duendes.
subimos num ritmo tranquilo (levaríamos duas horas pro que o Mariano calculou como uma hora) e parando e tirando fotos e olhando com a boca aberta quando surgia mais um desses poços de cor impossível.
em um momento surgiu uma bifurcação e a solução da Lisa foi “na dúvida, tome a esquerda” e por isso (e porque a direita parecia meio impossível) tomamos a esquerda. outro uma parede de cachoeira fazia suspeitar que havíamos alcançado um bloqueio intransponível mas subi num barranco próximo e dali de cima enxerguei a passagem pela lateral, se metendo por atrás de um tabaquillo (uma árvore com o tronco de um marrom alaranjado com várias camadinhas finas de casca) e saindo em cima da queda d’água. depois que sacamos essa manha descobrimos que quando acabava o caminho ele estava escondido na borda do riacho, subindo o barranco pelo meio do mato.
esse pássaro nos foi seguindo desde a metade do caminho até o final. parava ao nosso lado e piava. dava uma volta, pousava em outro galho e piava outra vez. dei a ele um pouco de bolacha mas ele não quis. acho que estava querendo nos dizer alguma coisa.[/caption] numa dessas tivemos a ajuda do Sérgio, um rapaz nativo que (com a filha de um ano nas costas) estava levando um grupo de Buenos Aires até o salto. ele nos emprestou o joelho de apoio para subir uma pedra impossível e seguimos adiante. faltava pouco.
por ali fizemos nosso piquenique. depois chegou o grupo que cruzamos pelo caminho e no final nos juntamos e tomamos mate enquanto Sérgio contava de seus projetos com bioconstrução. também compartilhamos um pouco de queijo e tomate com sua filhota Lenka. depois que foram embora inventamos um tererê com uma laranja que Lisa tinha na mochila e a água do riacho que estava bem gelada. funcionou mui bem. ficar por ali não ia dar muito certo porque o sol não chegava e vinha da cachoeira um vento frio. mais que Lisa queria estar de volta a Merlo antes das 18h pra umas burocracias e por isso começamos a voltar. ainda assim parando pelo caminho pra tirar fotos.
numa dessas quando voltou o sol a Lisa fez a alemã maluca e se meteu num dos poços de água gelada e eu fiquei ali sentadinha na pedra olhando porque eu não sou louca e essa coisa de água fria não é comigo. chegamos de volta à entrada com bom tempo pra tomar o próximo ônibus ao centro de Merlo. enquanto esperávamos uma raposinha cinzenta se aproximou provavelmente esfomeada e ficou por ali fazendo cara de coitadinha e esperando que alguém lhe desse algo de comer.
não é por nada mas essas raposas têm uma cara bem de malandro mesmo (pobrezinha); não é à toa que nas fábulas as raposas sempre são o bicho esperto que está lá pra sacanear o outro.