o sentimento do absurdo. ver tantas coisas tão lindas e compreender o tamanho da intolerância humana, o tamanho da impossibilidade, da incomunicabilidade, da falta de boa vontade. perder a medida das coisas e não saber transformar mais nada em palavras. porque transformar em palavras pudesse ser medir; abraçar o mundo e transformá-lo pelas lentes da ficção ou dar-lhe algum outro tipo de significado, reverter sentimentos, expor absurdos. o absurdo que cresceu para além das palavras. o absurdo que sempre esteve ali. o absurdo que não se vê sempre tão escondido sob o véu da normalidade. saber que o normal é uma ilusão para preservar a inércia, o movimento retilíneo uniforme, as pessoas que acordam todos os dias às cinco ou seis ou sete da manhã com o alarme do celular ou os sinos da igreja e têm calculado o horário disponível para o café-da-manhã e o início do dia produtivo. meu deus meu deus. como pode o mundo ser tão lindo e as pessoas tão lindas e tão terríveis e tão cegas e tão obstinadas. o absurdo, está vendo? é uma questão de ângulo, de iluminação: como uma teia de aranha. e está por todos os lados. a aranha, as aranhas: estariam também elas todas cegas? você está vendo? tenho esses dedos e esse teclado e essa máquina que me registra o pensamento, uns fragmentos de ideias. qualquer pedaço do que possa estar de verdade na minha cabeça, e que tenha sobrevivido a um aglomerado de limitações físicas e mentais — obviamente todas químicas — para alcançar a ponta dos dedos em velocidade muito maior do que os próprios dedos sejam capazes de reproduzir e de repente. (uma linha de raciocínio que se perde, jogada como ponta solta que sempre foi.)